terça-feira, 31 de outubro de 2006

CP: Todos os dias o mesmo dia.

A viagem começa em Oeiras às 19h05. Entro no comboio e procuro um lugar para me sentar. Vislumbro um belo lugar ao lado de um idoso que lê as gordas do jornal Destak. Ao mesmo tempo que me sento aparece uma senegalesa com dois filhos pequenos. Merda! Sorrio para fora, lamentei para dentro, cedi o lugar gentilmente. Não por uma questão de educação, mas ficar ao lado de uma família Senegalesa, normalmente, não cai bem depois de um dia de trabalho. Falam muito alto e depois a questão do cheiro – é um assunto tabu.
Volto com semblante perdedor até à zona das pessoas que não têm lugar para se sentar. Essa zona faz-me lembrar o síto onde ficavam aqueles meninos que na escola eram os últimos a ser escolhidos para jogar futebol.
Oiço uma voz ao fundo da carruagem: "Tenha a bondade de me auxiliar."
Desta vez não era o velho que vendia pensos rápidos que tinha apanhado na véspera, era o invisual da harmónica – os mendigos não são conhecidos pelo nome, têm uma característica e um objecto. Optei por não dar esmola porque prefiro guardá-la para as terças-feiras, é o dia da dupla de ciganos que interpreta na perfeição a Lambada, e atenção que eu já estive na Roménia e sei do que falo.
Enfim animadores de transportes públicos, tudo o que fazem é pela Arte. Discordo totalmente dos seus detractores que afirmam que os animadores só querem é ganhar dinheiro para comprar metadona! Quem diz isto só pode ser invejoso. Afinal, quem nunca sonhou com uma carreira a solo?
Uma mulher grávida está de pé, enquanto o Orlando Rafael, de apenas oito anos, se encontra esparramado a exectuar um excelsa limpeza de salão. O pequeno Orlando, coitado, sem saber era alvo de condenação moralista por parte das pessoas: Umas porque não tinha cedido o lugar à quase Mãe, outras porque insistia em retirar manecos e outras, simplesmente, porque se repugnavam com o nome Orlando Rafael. Até certo ponto compreendo a maledicência em torno do Orlando, afinal que futuro está reservado a uma criança que se encontra nestes preparos num comboio da CP. Duvido muito que Mozart, enquanto pequeno, se esparramasse em praça pública a tirar manecos.
O tédio tinha-se apoderado de mim, fui obrigado a recorrer à última instância, ler o meu horóscopo – Carneiro. Quando resolvemos lê-lo no comboio caímos no erro de fazer uma ligação entre as previsões e o cenário em que nos encontramos.
Dinheiro: Boa altura para restabelecer ordem às suas contas. Lembro-me que tenho pagar o passe do mês de Novembro.
Amor: A pessoa que ama pode estar mais perto de si do que pensa. Olho para o lado, e quem vejo? Orlando Rafael.
Saúde: Coma Legumes. Fecho o jornal. Não tolero que alguém me diga para comer legumes.
Dispara o voz-off, que nesse dia me pareceu mais rouca que o habitual.
- Próxima paragem: Cais do Sodré
Finalmente, vou poder sair e respirar. Estou quase a chegar ao meu destino, só falta apanhar o metro até ao Sr. Roubado – linha amarela. Ainda faltam mais quinze paragens, mas pode ser que esteja lá o surdo-mudo do Karaoke.
SM