domingo, 19 de novembro de 2006

Armando Baina (1968-2006)

Meus filhos:

Sei bem que nesta altura das vossas vidas precisariam muito do vosso pai, mas eu agora também não tinha dinheiro.

Decidi que ia pôr termo à vida no último dia de Agosto. Não por nenhuma razão especial, mas já que tinha pago o mês todo no Holmesplace.

Durante muito tempo senti-me invisível. Sobretudo quando fazia amor com a vossa mãe e ela insistia em chamar-me Mendonça.

Cedo percebi que só tinha jeito para duas coisas: ser alfarrabista ou jogador de curling. Como, em Portugal, não há condições para se evoluir nesta modalidade desportiva, optei pelos livros - sempre dava outra segurança financeira.

Como não podia deixar de ser, o Pai deixou-vos tudo o que de mais importante tinha. A minha lista de contactos do Hi5 - sinal mais para a Bruna e mais não digo.

Nos últimos seis meses a vida aprisionou-me a uma cadeira de rodas. Agora que estou quase morto, confesso que nunca padeci de nenhuma paralisia. Só queria passar mais tempo de qualidade com a nossa empregada Tina.

Um dia, encontrando-me muito deprimido, procurei saber um pouco mais de mim; foi aí que resolvi pesquisar o meu nome no Google. Fui corrigido pelo motor de busca: “ Será que quis dizer Armando Baiana? ”. Quando não existimos no Google, é meio caminho andado para não existirmos realmente.

Ingénuo, cheguei a pensar que tinha nome de heterónimo. Hoje, mais maduro, sei que tenho nome de guitarrista de fado. “ Na guitarra, Armando Baina”. E já foi sorte.

Só para verem o estado em que estava a minha vida: a melhor coisa que me aconteceu nos últimos dois anos foi ter sido adicionado ao Messenger por uma Testemunha de Jeová. O mais grave é que não senti qualquer vontade de bloqueá-la.

O lado positivo de ir desta para melhor é, uma vez morto, não poder arrepender-me, mas, se tivesse essa possibilidade, arrepender-me-ia por me ter suicidado sem ter visto o final do «Pedro, o Milionário».

Gostava de vos dizer que um de vocês não é meu filho, mas não sei qual é, e muito menos sei quem será o pai . Mas deixo uma sugestão: comecem por procurar todos os Mendonça que existem nas Páginas Amarelas.

Peço-vos encarecidamente que me mandem cremar, não vá aparecer alguém a reivindicar o que, no passado, afirmei só autorizar por cima do meu cadáver.

Um grande abraço e, por favor, não venham visitar-me à campa: temo não ter nada a acrescentar.
SM