quarta-feira, 25 de abril de 2007

As 9 fases do Bairro Alto

O relógio marca onze horas e insinua um par de minutos. Os meus olhos apercebem-se da necessidade de comprar um relógio digital. A dificuldade em focar o ponteiro das horas começa a tornar-se notória e depois sinto que não é de bom-tom continuar a ostentar um relógio promocional do detergente “Bold”.

Volto a concentrar-me na Rua do Alecrim, o trânsito assim o exige. A subida é íngreme e o cheiro a fartura também. Enquanto, sem sucesso, procuro um lugar para estacionar o carro, permito-me a mim mesmo uma série de comentários contraproducentes sobre a extraordinária sorte que têm as pessoas detentoras de um veículo Smart: “ Estes gajos é que tão bem”ou “Como é que este gajo conseguiu estacionar aqui?”

Estaciono o carro. Sou abordado por um parquímetro humano e travamos um confortante diálogo. Na sua, já edificada, dissertação contei-lhe dois vocábulos, um grunhido e acho que uma vogal. Respondi-lhe em cêntimos e aconselhei-o a juntar duas interjeições – indicativas de desconsolo -ao material que já trazia preparado de casa.

Ao tirar o telemóvel do bolso reparo que voltei a ligar para o Abel – primeiro número da minha lista – um chato que tenho só tenho gravado para evitar atender os seus convites para aparecer nos jantares da minha antiga turma do 9ºano.

Recebo uma mensagem escrita com a indicação do local exacto onde se encontra a fauna amiga: “ Estamos no Farripas”. No Bairro Alto, a pergunta “ Onde estás?” ganha contornos preocupantes, porque existe a tendência de se olhar em redor e transmitir ao “perdido” a primeira epígrafe ou algarismo que se avista. Daí haverem respostas do género: “Estamos no 32”. Este género de resposta, normalmente, só é aceitável quando estamos no bingo e, mesmo assim, se já tivermos feito linha pode ser mau sinal.

Depois de vários brindes com estranhos, volto a olhar para as horas. Mais uma vez não consigo ver os ponteiros, mas desta vez porque de facto não tenho o relógio no pulso. Quem é que quereria um relógio promocional para além de mim e de um amigo com quem jogo Magic?

Sou rápido a desdramatizar a situação. Hão de aparecer outras promoções em conta.
Começa a fazer-se tarde e não me apetece levar o carro. Desafio um amigo, lúcido, para conduzir o meu carro. Uma situação paradoxal pois ninguém na posse das suas plenas faculdades se atreve a guiar um carro que tem tanto seguro como um barco pirata da “Playmobil”.

Já estamos na marginal e afinal o meu amigo não é tão lúcido como se pensava. Não tanto por ter aceitado liderar a locomotiva até ao seu destino, foi mais a sua insistência em cantar temas de “Mário Mata”.

Por fim, chego a casa são e salvo. Já deitado, traço um saldo positivo da noite: Fiquei a saber as coordenadas exactas do Farripas, acabei por não atender o Abel e ficou em aberto a possibilidade de voltar a usar o meu relógio promocional dos rebuçados “ Doutor Bayard”
SM