segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Fringe Festival - Descodificado

Agora que assentou a poeira relativamente ao último Festival de Comédia de Edinburgo, terá talvez chegado a hora de me referir de forma um pouco mais séria em relação ao que por lá vi, e, que tanto contrasta com a nossa realidade. Disse atrás que do festival havia muito para ver e pouco para falar. Permitam-me que me desminta por uns instantes.
Começo por partilhar convosco um pensamento que me assola desde que embarquei de regresso a Lisboa. Não consigo perceber como é que me dispus a seguir uma carreira de humorista sem nunca ter ido ao Festival – e talvez isso seja um bom principio para explicar o estado de coisas nesta arte em Portugal. A melhor maneira de me redimir é, daqui em diante, voltar lá todos os anos – e é isso mesmo que vou fazer.
Importa referir que o Fringe Festival é o maior espectáculo do Mundo de comédia, e que lá podemos observar comediantes dos mais variados pontos do globo (maioritariamente países anglo-saxónicos), mas não só, sendo que uma das melhores noites de stand-up comedy a que assistimos foi da total responsabilidade de cinco artistas holandeses, os Amsterdam Underground Comedy Collective. Perante isto, é natural presumir que estamos a assistir ao que de melhor se faz no mundo nesta área, o que torna mais actual que nunca uma comparação com o que se faz em Portugal. Este texto não pretende “bater” na comédia portuguesa em oposição à britânica ou americana, mas antes tentar fazer o público compreender que é ele também uma mola do desenvolvimento do humor em Portugal.
Ponto prévio: o nosso stand-up comedy é muito fraquinho. Nenhum stand-up comedian português teria hipótese de ter qualquer tipo de sucesso no Fringe. Discordem os que quiserem, but its just the way it is. Segundo ponto prévio: o nosso público é também mais fraco. Em todo o Festival, aquilo que mais me impressionou, foi a disponibilidade, o à-vontade, a alegria, a vontade de participar do público presente em todas as salas que visitámos. Pode estar aqui representado um mal tipicamente português, mas quantas vezes nos foi possível observar, no decorrer de espectáculos de Alcómicos, que o público português primeiro desconfia, depois estranha, e só com algum esforço se abre totalmente a uma noite de risada. Porquê esta sina de pagar bilhete e entrar numa sala para ver um espectáculo de comédia, com um semblante desde já carregado, disparando com o olhar um “Vá, estou para ver se me fazer rir, bardo!”. De referir que estas linhas são dedicadas a todos que ainda não viram um espectáculo de Alcómicos ao vivo, porque os outros, é sem pejo que afirmo que das duas uma: ou estão do nosso lado e entram nos nossos futuros espectáculos para se divertir, ou já nunca mais voltam.
Defendem-se alguns que em Portugal não se faz comédia a sério, que os humoristas são fraquinhos, que não há qualidade. Importa para já, não generalizar. É verdade que vivemos um período de pós-estado de graça e unanimidade de Herman José, em que se criou a ideia de que seria fácil ser humorista, aparecer na Televisão muitas vezes e ser reconhecido na rua. Sou o primeiro a afirmar que muitos desses mesmos “humoristas” – assim com aspas – mais que fracos, são uma fraude. Aproveitam-se da ingenuidade de algum público para copiar, plagiar e imitar coisas já feitas, com a agravante de o fazerem pior, dado serem desprovidos de qualquer talento. Outros contentam-se com confundir humor com música, ilusionismo ou até javardeira pura. São os enganadores. Existem em todas as profissões, mas nunca as representam. São os cantores que actuam em playback ou os futebolistas que simulam uma agressão. Mais tarde ou mais cedo, acabam assobiados.
Depois sobram os outros. Os que querem ser aplaudidos. Os que trabalham. Os que desafiam a originalidade. Os que respeitam o público. Os que se dão a conhecer. Os que trabalham nas trincheiras. Dos que precisam do apoio do público. É deste grupo que eu quero fazer parte.
Acima de tudo estes, os mais responsáveis, carregam consigo uma missão da qual não se podem alhear: a de proporcionar ao grande público, mais espectáculos ao vivo. Essa é, ninguém duvide, a única maneira de fazer crescer a comédia em Portugal. E é pela quase total ausência destes espectáculos que uma viagem até Edinburgo em Agosto proporciona, por um lado a alegria de ver comédia ao vivo em salas cheias, e por outro, a profunda tristeza de um regresso, que nos faz olhar para a nossa cena humorística e pensar que é tudo demasiado difícil e que mais vale desistir.
Perante isto, o que fazer?
Resposta fácil: Um novo espectáculo dos Alcómicos Anónimos, já em Outubro.
RSC