terça-feira, 4 de dezembro de 2007

A Tipografia “Kubiac” e breves reparos à caligrafia no geral

É sempre por esta altura do campeonato que volto a mim e à minha caligrafia. Faço esta distinção porque eu, quer queira quer não, estou vivo. Já a minha caligrafia, que não passa de um prolongamento estético, está a fazer sesta desde 1993.

Espalhadas por todo o lado, são tantas as luzes de natal que é impossível continuar a dormir. Estou desconfiado que existem pessoas mortas há décadas a queixarem-se da quantidade de Pais-Natal a piscarem. Volto à minha caligrafia porque, infelizmente, não posso escrever postais de boas-festas.

Só queria escrever umas Boas Festas com a minha letra, mas é impossível. Quer dizer, é possível, mas a minha letra parou no tempo, mais precisamente no 1º ciclo.
Sim, tenho algum pudor em apresentar escritos com a minha letra.
Mas desde muito novo – será que foi desde o 1º ciclo? – aprendi a dar a volta ao sistema e a sabotar o meu próprio punho.

Tudo começou com bilhetes de amor, aqueles com quadradinhos para marcar uma cruzinha no sim ou no não, dirigidos a raparigas de várias estirpes e várias cores (sim, na altura eu gostava de ver a NBA).

Foram vários os bilhetes de amor que saíram da minha cabeça e do punho de uma das figuras que incontornavelmente marcou a minha infância.

Chamávamos-lhe “Kubiac”, nunca se soube o seu verdadeiro nome. A alcunha foi-lhe atribuída pelas suas parecenças com uma das personagens mais conhecidas de um série que na altura passava na TVI - “Parker Lewis”.

Mr. Kubiac era um gigante, gordo e sem auto-estima. O nosso “Kubi” era só gordo e gigante, só mais tarde é que viria a perder auto-estima. Acho que foi num dia em que tivemos de aprender a saltar ao trampolim durante as aulas de ginástica.

Os nossos acordos eram simples e concisos. Até criámos uma tabela em Excel com o objectivo de minimizar os erros de cálculo. Eis um breve resumo: em troca de um bilhete de amor passado a limpo – sumo Ika ou Caprison composições – Petazetas ou pacotes de Ruflles trabalhos com tinta-da-china – merendas mistas ou pastelaria variada.

Tinha 10 anos e já era um burlão de fino recorte. Conferiram-me várias alcunhas, mas nunca aquela que mais se adequava à minha existência. Propus que me chamassem “Alves dos Reis”. Não aceitaram. Fui “Chouriço” durante vários anos. É a vida.

Hoje, não conto com o Kubiac e muito menos sei onde mora. Já não escrevo postais de natal, nem bilhetes de amor. Apenas passo, com alguma vergonha, recibos verdes. Volta e meia, sou obrigado a fazer exames académicos. Sou mau aluno. Não porque não saiba as matérias, mas porque tenho de escrevê-las com o meu punho.

Contudo, há pessoas que têm uma letra parecida com a minha: crianças com menos de doze anos e meninos de associações especiais.

Dizem que a má letra está relacionada com problemas familiares. Se calhar é por isso que os filhos dos prisioneiros de Caxias nem sequer aprendem a escrever.

Escrevo em Word, como agora. Não aponto ideias no moleskine, embora ande sempre com um (é única maneira de entrar na Gulbenkian sem ser repreendido). Limito-me a guardar rascunhos no meu Samsung. Não é tão artístico, mas tenho de ganhar a vida.

Enfim, resta-me comprar um daqueles postais de Natal com musiquinhas e deixar de ser parvo.
SM